quarta-feira, 22 de outubro de 2014

A presa do nada

(à minha mãe)

Desde sempre,
Minha alma pesa,
Pois, desde sempre,
É preenchida por
Um vazio real, um vazio presente,
Um vazio que é dor e saudade
Do que não vivi.
Desde sempre,
Minha alma está cheia
De um vazio que fala,
Que canta, que sorri, que chora.
Um vazio que tento tocar
E minhas mãos o transpassam.
Desde sempre, minha alma
Recolhe infindas lágrimas,
Na vã tentativa de preencher o vazio.
Sempre a espera de algo.
Debruçada a gritar diante de um poço seco,
À espera de um eco que não vem.
É vazio oco.
Vazio de ausência.
É a presença de uma ausência vazia.
A ausência do que poderia ter sido,
Como a boneca que não chega no Natal.
O vazio nostálgico sem lembranças.
O vazio do recorte no retrato.
O vazio da despedida.
Minha alma segue cheia
De vazio feito de nada. Vazio que pesa.
Mais real que a própria realidade.
Simplesmente vazio.
Indefinível. Insubstituível.
Ainda que minha alma viva,
O que nela viverá é o vazio.
Sempre o vazio
Do que não foi e era pra ter sido.
Vazio que enche a alma,
E esvazia a coragem
De ocupar o vazio
Desta alma vazia.
Como pode um vazio
Ocupar tanto espaço,
Sem que se possa tocá-lo?

quinta-feira, 9 de outubro de 2014

O baile da vida

Você alguma vez viu como é um baile de carnaval de adolescente? Ou de criança? Ficam alguns sentados às mesas e uma grande roda de gente dançando no salão, e dando voltas. Certo? Quem não quer dar voltas, fica no centro da roda dançando. Eu acho que a vida é isso. E existem algumas atitudes que se pode tomar em relação à ela:
Você fica na cadeira o tempo todo, durante o baile, dizendo como cada um deveria dançar.
Você fica na cadeira, durante o baile, tentando criar coragem para entrar na pista, com medo de não conseguir. Quando entra, já é tarde, pois o baile está quase acabando, e você não consegue se ambientar. Você se sente inadequado. Sente-se o tempo todo deslocado, e, assim como os que estão na mesa, você passa a assistir o baile de dentro do baile - um espectador inserido no ambiente, mas sem influenciá-lo em absolutamente nada.
Você entra, mas a roda te arrasta. Você não consegue retomar o prumo. Se deixa levar. Vai até o final do baile tentando firmar o passo, se endireitar. Sempre que a orquestra muda para uma marcha-rancho mais tranquila, você acredita que vai se aprumar; mas não dá tempo. Antes que você consiga, vem de novo o sambão, e todos começam a pular e dançar, e você se desorienta novamente. E assim você vai, até o final do baile, sempre esperando a valsa de que precisa para fazer a sua dança.
Você vai, do início ao final do baile, girando na roda, sempre pelos mesmos lugares, sempre vendo as mesmas coisas, e criticando aqueles das mesas que não entraram na pista, dizendo que eles têm medo de entrar, que eles estão perdendo. Mas você não sabe exatamente o que eles estão perdendo. Por que a única coisa que você sabe é girar, girar, e repetir tudo sempre igual, até que o baile termine.
Você não fica na roda. Se mete no burburinho, no centro da roda, e fica ali, pulando, dançando, fazendo tudo quanto é loucura. Mas, quando menos espera, o baile acabou, e você não viu o pessoal das mesas, nem o garçom, nem bebeu, nem comeu, e não lembrou nem de fazer xixi. Aí, corre à fila do banheiro para ver se dá tempo, mas é tarde demais... tenta comer ou beber algo, não dá mais tempo. Dançou pra caramba, mas não viu nada do baile. Senta e fica olhando as pessoas irem embora e o baile acabar, com aquela sensação de perda de algo que você não sabe bem o quê, pois perdeu antes de ganhar.
A orquestra? A orquestra seria aquela que dita as regras da dança: o Zeitgeist, a mídia, o padrão da época, o que está valendo, o que está em voga, os valores...